13.2.15

Laboratórios de Si: Criações Poéticas em Fotografia

Design: Kelvin Marinho
Tratou-se de uma oficina teórico-prática realizada nos dias 03, 05, 10 e 11/02, ministrada por mim e por Kelvin Marinho, integrantes do LabCIC (Laboratório Corpo/Imagem/Convergência: processos poéticos no digital). Nos encontros discutimos MEMÓRIA, ESPAÇOS, ERRÂNCIAS URBANAS e o cruzamento entre FOTOGRAFIA e TEXTO
Contamos com a participação de jovens estudantes oriundos de Cachoeira, São Félix, Santo Antônio de Jesus, Feira de Santana e Valença. Alguns deles graduandos na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em cursos como Artes Visuais, Comunicação Social, Cinema e Audiovisual e História.
Dialogamos acerca do olhar fotográfico, apresentando alguns conceitos básicos da fotografia e possibilidades de explorações criativas dos espaços urbanos; falamos sobre processos fotográficos atrelados à criação literária, sobretudo o uso de dispositivos móveis na arte contemporânea.
Conversamos sobre Errâncias Urbanas e lançamos a proposta de uma pesquisa poético-fotográfica em espaços de Cachoeira e São Félix. Enquanto errantes, os fotógrafos participantes deveriam dedicar-se à percepção mais apurada de cenas, objetos, pessoas e particularidades dos lugares que explorassem. Essa apreensão deveria ser registrada também texto, o qual integraria posteriormente os resultados artísticos.
Nessa primeira etapa da oficina nos encontramos na ONG Casa de Barro – Cultura Arte Educação (localizada em Cachoeira), intercalando as reuniões com saídas fotográficas. Num momento posterior, nos dirigimos ao Centro de Artes Humanidade e Letras, rumo ao Laboratório MAC 2, a fim de experimentar práticas da manipulação da imagem digital. Lançamos a proposta de que fosse experimentado o texto na foto, mediante o uso de recursos do Adobe Photoshop, somado também a manipulação/edição manual das imagens.

2.2.15

acerca de LOMOGRAFIA

A lomografia busca aliar facilidade e praticidade, somada à criatividade e diversão para registrar o cotidiano – desde cenas, personagens, objetos. Esse modo de fazer surgiu em meados da década de 1990, quando dois austríacos, dispondo de uma câmera russa de baixo custo, passaram a fotografar o que lhes chamava atenção, independe da sua importância.
Foi durante a Guerra Fria que o general Igor Petrowitsch Kornitzky, do Ministério da Indústria e da Defesa Soviética, encomendou da empresa Lomo, a produção de câmeras baratas e compactas, acessíveis às famílias soviéticas, para que estas pudessem registrar o seu cotidiano. A ação funcionou como uma estratégia da URRS para realizar propagandas do estilo de vida soviético.
Voltando para a história dos austríacos, tratava-se dos estudantes Wolfgang Stranzinger e Matthias Fiegl, que durante as férias experimentaram a câmera russa e ficaram interessados nos efeitos luminosos, de cores e desfoques que imprimiam nas fotos. As câmeras se espalharam por Viena e por volta de 1995, criou-se a Sociedade Lomográfica, o que incentivou a retomada de seu fabrico.
Lomografia refere-se a uma “[...] técnica de realizar fotos do cotidiano, de forma rápida, sem que haja preparação ou preocupação com o que irá aparecer na foto. O visor geralmente não é utilizado e as fotos não são encenadas. [...] O método lomográfico utiliza experiências com filmes, filtros e processos de revelação diferenciados. Um ponto marcante da lomografia é o baixo custo das máquinas e a facilidade em manuseá-las.” (CALAÇA, 2010, p.2) A estética lomográfica diferenciada geralmente vale-se de múltiplas exposições, cores saturadas – obtidas através de processamento cruzado dos negativos –, erros de foco e superexposições.
Percebe-se no modo de fazer lomográfico uma valorização maior da apreciação do objeto antes e após o registro; se preza a percepção apurada aos aspectos cotidianos – nisso a figura do lomógrafo aproxima-se ao do flâneur, que anda aberto às apreensões de cenas e aspectos nos espaços percorridos. Refletindo esse aspecto, Lidiane Oliveira e Paulo Roberto Leal comentam que “É justamente essa automação no ato de fotografar e de ver o resultado que a fotografia digital apresenta, que a lomografia e a fotografia analógica dispensam. A lomografia preza pelo instante fotografado, importa-se mais com o objeto a ser fotografado do que com a fotografia em si. O lomógrafo tem que estar em sintonia com o que está acontecendo ao seu redor, visto que muitas câmeras lomos não possuem nem visor.” (2011, p.2)
Os autores acima referidos também refletem o fenômeno de banalização da fotografia, muito alimentada pelo processo de domínio da fotografia digital (que inclui não somente as câmeras, mas todo o aparato de digitalização que permite o armazenamento e compartilhamento dos dados numéricos). De modo geral, consideram que o domínio público da imagem abriu espaço para um “bordel sem paredes” – como define Marshall Macluhan. Esse aspecto potencializou o efeito de “prostituição e violação da imagem que os bens compartilhados por massa provocam” (OLIVEIRA; LEAL, 2010, p.3)
Trata-se de um modo de fotografar que preza a espontaneidade, o acaso e dispensa técnicas formais. Pensando nesses aspectos a Sociedade Lomográfica criou as 10 regras de ouro que são:
1.       Leve a sua câmera aonde você for.
2.       Use sua câmera a qualquer hora, dia ou noite.
3.       A Lomografia não interfere na sua vida, ela é parte dela.
4.       Experimente fotografar a partir da cintura (isto é, sem enquadrar com os olhos).
5.       Aproxime-se o máximo que puder de seu objeto de desejo lomográfico.
6.       Não pense.
7.       Seja rápido.
8.       Você não precisa saber antes o que fotografou.
9.      E nem (saber) depois.
10. Não se preocupe com as regras.
Os adeptos da lomografia procuram captar, sempre que possível, objetos que lhes chame atenção, de qualquer ângulo, sem necessariamente seguir regras de composição, porém isso não subentende que fotografem por acaso e livre de qualquer critério: deve-se pensar no que fotografar e porque.
Os lomógrafos estão sempre em busca de cenas corriqueiras que se sobressaem pelos efeitos de cor e características outras determinadas pelo manuseio de cada aparelho. Esse diferencial, conforme Françoise Soulage (em “Estética da Fotografia: perda e permanência”), se caracteriza enquanto estilo – o que atribui uma essência artística ao objeto fotográfico, segundo o autor.
A estética lomográfica, somada à sua poética da incerteza e imperfeição, talvez sejam as suas principais marcas artísticas. Toda essa configuração auxilia uma ressignificação de banais cenas cotidianas, pois inserem pontos de vista que modificam o estado comum do que é retratado. Sobre isso o autor afirma que “Apesar de manter as características das fotografias cotidianas (recortando um espaço e tempo) ela traz informações e experiências formais e informais. Sendo este diferencial pautado na arte que transmite uma série de sentimentos e emoções, independente de quem seja o leitor. Nesse sentido é possível olhar para a lomografia como uma abstração da realidade.” (CALAÇA, 2010, p.5)
Pode-se retomar, em conclusão, que na lomografia ocorre “[...] a intenção de romper com as regras da fotografia comum [e que] a imagem lomográfica vem para trazer movimento, cor e particularidades à fotografia cotidiana.” (CALAÇA, 2010, p.5)

Referências
CALAÇA, Mariana Capeletti. Lomografia: uma forma artística de documentação do cotidiano. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO CENTRO-OESTE, 12, 2010, Goiânia. Anais eletrônicos... Goiânia: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2010. Disponível AQUI.
OLIVEIRA, Lidiane A. de; LEAL, Paulo Roberto Figueira. O analógico na era digital: a Sociedade Lomográfica. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 34, 2011, Recife. Anais eletrônicos... Recife: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2011. Disponível AQUI.
SOULAGES, François. Estética da Fotografia: perda e permanência. São Paulo: Editora Senac, 2010
SOCIEDADE LOMOGRÁFICA – Disponível em: www.lomography.com

31.1.15

Errâncias Urbanas - a arte de andar pelas cidades

JACQUES, Paola Berenstein. Errâncias Urbanas - a arte de andar pelas cidades. In: ARQTEXTO 7, Rio Grande do Sul, n.7, p. 16-25, 1º semestre de 2005. Disponível AQUI

Kelly Wendt
Conforme define Paola Jacques Berestein, errância urbana seriam gestos de participação, experiência efetiva e vivência dos espaços urbanos, segundo uma relação mais consciente entre o corpo físico do cidadão e o corpo urbano, num ato de apreensão da cidade. (p.19-20)
Determinadas atuações são protagonizadas pelos errantes modernos ou nômades urbanos – dentre eles diversos artistas, escritores e pensadores enquanto praticantes. As suas obras apreendiam os espaços urbanos de outra forma, a partir de questionamento crítico da construção dos mesmos. “O simples ato de andar pela cidade pode assim se tornar uma crítica ao urbanismo enquanto disciplina prática de intervenção nas cidades. Essa crítica pode ser vista tanto nos textos quanto nas imagens produzidas por artistas errantes a partir de suas experiências do andar pela cidade.” (p.20)
“O urbanismo enquanto campo disciplinar e prática profissional surge exatamente com o intuito de transformar as antigas cidades em metrópoles modernas, o que significava também transformar as antigas ruas de pedestres em grandes vias de circulação para automóveis, reduzindo as possibilidades da experiência física direta, através do andar das cidades.” (p.21) Esse processo de surgimento e estabelecimento correspondeu a três momentos distintos, paralelos às três fases no histórico de errâncias urbanas.
Entre os séculos XX e XXI, quando criticava-se a primeira fase de modernização das cidades, acontecia o período de flanâncias; nos anos 1910 a 1930, período das vanguardas modernas, ocorriam as deambulações, numa crítica às ideias urbanísticas do início dos CIAMs (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna); já as derivas, surgiram nas décadas de 1950 e 1960, criticando “[...] tanto os pressupostos básicos dos CIAMs quanto a sua vulgarização no pós-guerra, o modernismo.” (p.21)
O momento da flanância – investigação do espaço urbano – correspondia principalmente à criação da figura do Flâneur por Baudelaire em “As flores do mal”; Walter Benjamin, nos anos 1930, analisando a obra citada, também foi adepto da “flânerie”. No momento posterior, as deambulações eram figuradas pelos dadaístas e surrealistas, os quais realizavam excursões urbanas por lugares banais – deambulações aleatórias organizadas por Aragon, Breton, Picabia e Tzara, entre outros. Em terceiro momento, as derivas, “[...] corresponderia ao pensamento urbano dos situacionistas, uma crítica radical ao urbanismo, que também desenvolveu a noção de deriva urbana, da errância voluntária pelas ruas, principalmente nos textos e ações de Debord, Vaneiguem, Jorn e Constant.” (p.22)
Já no contexto contemporâneo, inúmero artistas têm trabalhado no espaço público, munidos de críticas e questionamentos. Fato comum entres eles consiste no entendimento da cidade enquanto “[...] campo de investigações artísticas aberto a outras possibilidades sensitivas, e assim, possibilitam outras maneiras de se analisar e estudar o espaço urbano através de suas obras ou experiências.” (p.22)
No Brasil, artistas do modernismo e tropicalistas usufruíram das errâncias urbanas. Dentre eles Flávio de Carvalho, com a realização das “Experiências”; Hélio Oiticica, influenciado pelas leituras do teórico Guy Deborad; o cronista João do Rio (pseudônimo de Paulo Barreto), influenciado por Baudelaire, também elege a rua enquanto lugar de investigação, em seu texto “A Rua” há o seguinte excerto: “Eu amo a rua […] Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhes as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar.” (p.21)

As investigações de errâncias apontaram para a possibilidade do “urbanismo poético”; buscava-se, numa visão de Oiticica, o “poetizar do urbano”. Em suma, reivindica-se ainda hoje o caráter humano e corpóreo dos espaços urbanos, paulatinamente violado por fenômenos do urbanismo moderno. “Os urbanistas teriam esquecido, diante de tantas preocupações funcionais e formais, deste enorme potencial poético do urbano e, principalmente, da relação inevitável entre o corpo físico e o corpo da cidade que se dá através do andar, através da própria experiência física – corporal, sensorial – do espaço urbano, algo tão simples, porém imprescindível, para todos os amantes de cidades e, principalmente, para os arquitetos-urbanistas. [...] Nosso corpo físico e o corpo da cidade, e as suas respectivas carnes, se encontram, se tateiam e se atritam nos espaços públicos urbanos.” (p.24)

28.1.15

Fotografia e texto: Conexões e interações na arte contemporânea

ÂNGELO, Roberto Berton de. Fotografia e texto: Conexões e interações na arte contemporânea. ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO, 15., 2006, Bauru. Anais eletrônicos... Bauru: UNESP, 2006. Disponível AQUI.

Inter-relações entre diversas disciplinas artísticas multiplicam-se desde o início do século passado, de acordo com Roberto Berton de Ângelo. O autor considera que se trabalha em linguagens textuais para se evocar imagens e ideias, mas também é possível converter imagens em conceitos verbais; assim, em ambas as linguagens a imagem é um pressuposto básico: são particulares os modos como ela se expressa e as ferramentas utilizadas para manipula-la.
Segundo o autor, o estudo do uso simultâneo da fotografia e texto na arte contemporânea resultou no nascimento da Arte Conceitual, nos anos 1960 – antes disso os dadaístas já se utilizavam de formas de expressão pluriartísticas, o que funcionaram como antecedentes na criação e utilização de foto-textos.
Raoul Haussmann e Kurt Schwetters, por exemplo, realizaram inscrições de letras e de sugestões fonéticas em suas obras gráficas (desenvolveram novo campo de representação gráfica, acrescidas de manifestações performáticas e vocais). “As relações entre imagem e texto, desde então, têm-se operado segundo os eixos do legível, do visível e do audível, sem que haja verdadeiramente uma hierarquia entre estes modos de apreensão.” (p.2)
Roland Barthes foi incitado pela plasticidade da escritura (em suas “contra-escrituras); ele e outros artistas e escritores se dedicaram a explorar “outras dimensões gestuais e a inventarem escrituras para além de todo conteúdo semântico determinado.” (p.2)
O emblemático Marcel Duchamp também foi precursor de operações com texto e imagem, a exemplo de sua obra de 1965, “L.H.O.O.Q. Rosée” (L.H.O.O.Q. Barbeada) – uma reprodução fotográfica de Mona Lisa; a inscrição lida foneticamente em francês é “Elle a chaud au cul” (Ela tem fogo no rabo), o que denota a sarcástica gozação do artista.
Foto-textos foram utilizadas pelos construtivistas El Lissitzky, Rodchenko e Klucis; pelos dadaístas Schwitters, Haussmann e Heartfield e por vários artistas da Bauhaus. Os trabalhos eram orientados a um engajamento social, cujo foco era o caráter crítico, apelativo e educacional. “Nos foto-textos, o tema é introduzido, em termos básicos, através da fotografia, cabendo ao texto, muitas vezes de forma irônica, uma linha-guia para a ação.” (p.3)
A ocorrência de texto em imagens fotográficas se efetua desde a utilização de palavras únicas (como em obras de Gilbert e George), tanto na incorporação de pequenas narrativas escritas à mão e dispostas ao lado de fotografias (Duane Michals), ou frases revolucionárias escritas sobre as fotos (Joseph Beuys) e ainda a partir de arranjos tipográficos coloridos, conjugados às fotografias (Ken Lum). No geral, conforme palavras do autor, a palavra impressa se torna mais um elemento estético da representação visual.
Em suas obras, o artista Duane Michals experimenta variadas formas de cruzamento: imagem única legendada, imagem única acompanhada de um texto, sequência de fotografias com um texto, fotografia pintada ou acompanhada de um desenho, ou de um texto curto em prosa ou poema.
 Outros artistas e obras destacados por Roberto Berton de Ângelo são: Bárbara Krueger (“Who will write the history of tears?”, 1987), Jochen Gerz (“Your Art #9”, 1991), Bernard Foucon (“Écritures”, 1991-1993), On Kawara (“I got up...”, 1973”), Laura Padgett, (“Coming Black”, 1996), Joseph Beuys (La rivoluzione siamo Noi, 1972) e Ketty La Rocca (Un satiro, 1974), dentre outros.
Por fim, destaco uma consideração de conclusão do autor: “O artista sabe que realidade é sempre percebida através da visão de um meio e afetada pelas intenções de quem a vê. O artista leva em consideração as leis da imagem fotográfica e as peculiaridades da palavra impressa. Encontramos na arte contemporânea formas estéticas mistas de linguagem textual e a linguagem fotográfica, e a ligação entre fotografia e texto nos permite estabelecer novos vínculos colaborativos. O observador, por sua vez, pode criar novas relações entre texto e imagem apresentados nos trabalhos, pois esta inter-relação favorece a criação de um espaço reflexivo, que convida o observador a vagar em suas apreensões, legendas e histórias.” (p.11)


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Por ordem decrescente: imagem 1, 2 e 3 de Duane Michals ; 4 e 5 de Bernard Foucon; 6 e 7 de Bárbara Krueger e 9 de On Kawara.

25.1.15

Literatura e fotografia: o anseio pela apreensão do instante

FONSECA, Pedro C. L.; SOUSA, Fábio D’Abadia de. Literatura e fotografia: o anseio pela apreensão do instante. SIGNÓTICA, v. 20, n. 1, p. 149-174, jan./jun. 2008. Disponível AQUI

No artigo, os autores Pedro Fonseca e Fábio D’Abadia de Sousa abordam as inter-relações entre literatura e fotografia, sob a perspectiva de observar os principais pontos em comum em meio às duas manifestações artísticas. Para isso respaldam-se na afirmação de Susan Sontag (2004), de que a fotografia é a arte que mais se aproxima da poesia.
Considera-se uma dádiva da fotografia a possibilidade de fixar momentos da existência. Logo após a sua invenção, ocorreu a ideia de que o real e o instante podiam ser apreendidos, numa forma de representação próxima à percepção. Rosalind Kraus em seu texto “O fotográfico” (1990), distingue o status da percepção e representação, definindo que o primeiro seja mais valorizado, uma vez que há o contato com o real, enquanto que o segundo é sempre uma recriação do real por meio de signos. Assim, com a fotografia, “[...] teve-se, pela primeira vez, nas artes da representação, a idéia de que o real e o instante podiam ser apreendidos, numa forma de representação que se aproximava bastante de uma percepção. [...] ocorreu uma sensação de vitória contra um dos fenômenos mais misteriosos da vida: o tempo.” (p.151)
Nesse contexto de surgimento da referida linguagem artística, ocorreriam mudanças e configurações no meio artístico após a Primeira Guerra Mundial. O Modernismo provocou o uso de linguagens de fragmentação (estilo inaugurado pelos simbolistas), reflexo de um homem espantado com rápidas mudanças culturais resultantes da industrialização e das guerras. “O tempo se converte numa série de instantes fragmentados, e o sentido de continuidade cede lugar à descontinuidade.” (SHEPPARD, 1989, p.266 citado por FONSECA; SOUSA, 2008, p.152)
Com a necessidade de atender ao “tempo fragmentado”, solicita-se “[...] uma nova linguagem para exprimir o estranhamento do contato do homem com o real da modernidade, quando as palavras convencionais já não são mais suficientes para dar vazão aos sentimentos de estarrecimento diante da solidão que cresce, proporcionalmente, ao aumento da população das cidades e ao avanço das máquinas nos mais diversos setores.” (p.152-3)
Décadas posteriores, no meio literário, Fernando Pessoa e Clarice Lispector falavam acerca da “exigência de recursos múltiplos para a expressão da complexidade dos sentimentos humanos.” (p.153) Em seu livro “Água viva”, a autora relaciona a imagem e a palavra através de uma narradora, que é escritora e pintora e reflete as possibilidades de expressão entre a pintura e a palavra escrita e falada.
Nesse contexto a personagem-narrador dispõe do conceito do instante-já: “a fração de segundos em que a vida se manifesta e que é impossível de ser apreendido; é algo que pertence à quarta dimensão [...].” (p.154) Esse conceito de Lispector dialoga com a fotografia; o fascínio que contorna esta linguagem e a literatura justifica-se pela ambição de ambas de reproduzir o instante de modo convincente. As similaridades entre elas vão mais além, pois as ferramentas que empregam se aproximam e complementam: enquanto na literatura a palavra converte-se em imagem, na fotografia as imagens geram palavras.
“Quero escrever-te como quem aprende. Fotografo cada instante. Aprofundo as palavras como se pintasse, mais do que um objeto, a sua sombra [...] § O que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão. Um instante me leva insensivelmente a outro e o tema atemático vai se desenrolando sem plano mas geométrico como as figuras sucessivas num caleidoscópio [...]. O que te digo deve ser lido rapidamente como quando se olha.” (LISPECTOR, 1980, p. 14-17 citado por FONSECA; SOUSA, 2008, p.154)
Foi o Modernismo o momento em que ficou mais clara a relação da fotografia e literatura, mas segundo Susan Sontag, isso já acontecia, pois Honoré Balzac foi um dos pioneiros da escrita literária com características fotográficas; ocorre em sua obra a antecipação da forma característica da percepção, estimulada pelas imagens fotográficas. Tal característica gera uma descrição excessivamente minuciosa comparada à fotografia, “o detalhismo da descrição apoia-se no detalhismo e no instantaneísmo que lembram imagens fotográficas.” (p.158)
Há também visualidades em cenas descritas em “Ulisses” por James Joyce, uma vez que este alegou que as palavras convencionais, usadas no dia-a-dia, “[...] são insuficientes para expressarem o turbilhão de imagens que pode se formar em nossas mentes.” Assim, o autor lança mão de uma maneira mais imagética de arranjar as frases e vocabulário, aproximando-se da “[...] fotografia de cunho artístico, a que ressignifica a realidade, ou seja, mostra além do que pode ser visto num primeiro momento.” (p.158)
Segundo Auerbach, a problemática de apreensão do instante também se verifica na poesia, uma vez que esta “permite, talvez com mais maestria, em virtude da sua natureza formal mais fragmentária, investigação em torno dessa propriedade do instante.” (p.164) A poesia é um tipo de mensagem linguística que valoriza tanto o significante quanto o significado – tanto a visualidade da palavra, quanto o seu sentido são elementos de equivalente importância.
Mais um ponto de convergência refere-se ao aspecto teatral da fotografia e sua capacidade de criar cenas (ideia defendida por Roland Barthes e também Clarice Lispector).
Os autores comentam no texto a poesia de Cesário Verde, o qual inaugura na literatura portuguesa o “realismo fotográfico”, a poesia sempre frente à realidade, fria e objetiva. “A busca pela fixação do instante, como uma das principais ambições da arte impressionista, levou Auguste Renoir a declarar que o papel desse tipo de pintura é igual ao do andarilho casual que, enquanto passa, capta com o olhar este ou aquele fragmento de vida.” (p.169-170)
Opina-se que, dentre as influências da fotografia, uma delas diz respeito à provocação de escritores para a necessidade de dedicar mais atenção ainda à realidade, apurando sempre o olhar para apreensões do cotidiano – em mais um ponto o fazer literário a aproxima-se do fotográfico. “Para o senso comum, talvez, o que interessa à poesia é a realidade interna das pessoas, sendo que, para a fotografia, sobraria apenas o mundo exterior. Entretanto, são os fragmentos das múltiplas realidades que constituem a matéria prima dessas duas modalidades artísticas.” (p.170)

Referências
AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Perspectiva, 2002.
KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. Barcelona: Editorial Gustavo Gilli, 1990.
LISPECTOR, Clarice. Água viva. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

23.1.15

Literatura e fotografia: um processo de intersemiose na obra de João Cabral de Melo Neto

CUNHA, Luiz Manoel Castro da. Literatura e fotografia: um processo de intersemiose na obra de João Cabral de Melo Neto. ENCONTRO NACIONAL DE PROFESSORES DE LETRAS E ARTES, 2, 2004, Campos dos Goytacazes. Anais eletrônicos... Campos dos Goytacazes: Essentia Editora, 2004. Disponível AQUI
O texto de Luiz Manoel Castro da Cunha integra a sua dissertação, a qual discute o processo de adaptação de linguagens verbais para não-verbais (literatura e fotografia), partindo do pressuposto de que ambas não funcionam enquanto mera ilustração da outra, porém são complementares. Com isso enfoca o processo de tradução intersemiótica entre as obras “O cão sem plumas” (1984) de João Cabral de Melo Neto e a fotografia de Maureen Bisilliat.
O autor introduz seu artigo considerando que as linguagens artísticas não são estanques e isoladas, pois processos híbridos têm se intensificado desde a Revolução Industrial. A invenção da fotografia impôs mudanças no meio artístico durante o início do século XX, algumas vanguardas começaram a pensar o mundo de outras maneiras – caso do cubismo e surrealismo.
Maureen Bissiliat
Acompanhando tais mudanças, a literatura se submeteu a inter-relações nas artes visuais. Para isso, no entanto, o autor ressalta um processo de transposição criativa, onde na fotografia, por exemplo, “a imagem fotográfica não serve apenas para ilustrar as palavras do escritor. Elas, de alguma maneira, dialogam com o texto, e essa construção não se dá de maneira aleatória.” (p.2)
Esse processo de transposição é sinônimo do que Roman Jakobson chama de Tradução Intersemiótica – nesse sentido a poesia se destaca na quantidade de diálogos que estabelece com outras linguagens artísticas. Lembra-se, inclusive, que os primeiros poemas da literatura ocidental eram cantados e dançados, configurando, assim, natural abertura ao gestual (performático).


Maureen Bissiliat
Ainda sobre transposições e traduções, Haroldo de Campos, em 1992, defendeu a teoria da recriação, no sentido de que o processo tradutório de uma linguagem a outra deve ser acompanhado de um leitura crítica da obra original. Desse modo, na tradução criativa o resultado será uma espécie de releitura e não estará totalmente dissociado de resquícios do original que a motivou.
Compreender esse conceito de intersemiose e tradução criativa reforça a ideia de complementariedade entre as linguagens, ao invés da sobreposição entre elas. “Há imagens que não podem ser substituídas por mil palavras, da mesma forma que elas não podem substituir a informação verbal. Elas nos atingem por caminhos diferentes e, exatamente por isso, se complementam tão bem. A palavra é racional, dissertativa, prolixa. A imagem, emocional, sintética, direta. A palavra pode expor com clareza uma idéia, conceituar com precisão. A imagem é de natureza mais onírica (incluindo-se aí os pesadelos), mas ilógica e nebulosa. É insubstituível para transmitir, num relance, toda a emoção de um evento, mas falha ao tentar analisá-lo.” (KUBRUSLY, 1997, p. 77 apud CUNHA, 2004, p. 3)
Destaca-se que as diferenças entre poesia e fotografia equivale às particularidades entre a comunicação verbal e a não-verbal, a imagem mental e a imagem visual, uma apreensão conceitual e uma percepção direta.  Assim, de acordo com o autor, há dificuldades (ou até mesmo impossibilidades) de transmitir uma mesma mensagem de um sistema de signos para outro; de tal modo “[...] a tradução intersemiótica ou transmutação, isto é, a passagem de uma poética verbal para um sistema não-verbal não se estabelece a partir de uma relação de equivalência direta.” (p.3)
Com base nas considerações mencionadas, o autor conclui que “a equivalência entre o poema e fotos só pode ser tomada como uma proposta que obteve sucesso se considerarmos que ela ocorreu na medida em que a linguagem visual processou uma tradução criativa do poema, fazendo com que cada uma agregasse um valor diferencial à obra literário fotográfica.” (p.4)

Referência
KUBRUSLY, Cláudio. O que é fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1991.